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EGITO

Admirando da Acrópolis o inigualável índigo do Mediterrâneo, aguçava-me a idéia de estar em Atenas, o mais próximo que jamais estivera da fronteira com o Egito. O Egito que, desde minha infância, fascinava-me, inconscientemente, pela simples manipulação das figurinhas de um jogo da memória com imagens das pirâmides e da esfinge. Sempre sonhei um dia visitar aquele exótico país e a possibilidade então se mostrava...

 

Do pequeno hotel onde me hospedava há alguns dias, conforme a gentil indicação da Zezé Garcia, justo à entrada do bairro arqueológico Plaka, parti em busca de um pacote turístico que me levasse, sem grandes gastos, a conhecer aquele país. Após pesquisar custos e datas convenientes em três ou quatro agências locais, encontrei algo que muito me agradou: sete dias no Egito, cinco dos quais num pequeno cruzeiro pelo rio Nilo.

 

Tudo acertado, embarquei já no dia seguinte num vôo com destino ao Cairo. Pouco antes da aterrissagem, observava da janelinha a quase total ausência de piscinas, facilmente perceptíveis daquela altura, tão comuns nas grandes cidades. E ainda, o maciço aglomerado de construções, de colorido indistinto e seu formato aparentemente uniforme. Do alto, a gigantesca cidade mais parecia mal-acabada maquete de areia cinzenta, onde raros eram o verde e o azul.

 

No aeroporto, a presença de inúmeros policiais ostensivamente armados e a rude recepção dos agentes alfandegários causaram má impressão. Uma pontinha de arrependimento encobriu a gostosa expectativa de encontrar um destino de sonhos. Sem maiores atropelos, recolhi minha bagagem e dirigi-me ao setor de desembarque, onde era aguardado por um guia que trazia meu nome num cartaz. Dali, fui conduzido a um veículo tipo perua, popularíssimo na cidade por conta de sua função coletiva, com capacidade de transportar nove ou mais passageiros. Tais veículos supriam, à época, a visível lacuna aberta pela falta de transporte urbano. Os carros, na sua grande maioria, eram muito antigos, exibiam reparos na lataria quase sempre retocada por tinta completamente diferente da original.

 

Os motoristas de lá recorrem indiscriminadamente à buzina, parecia mera diversão, pois, por mais que procurasse, não achava justificativa razoável para tal comportamento. Resultado: tráfego caótico, barulho ensurdecedor, falta de sinalização, nenhuma fiscalização, superlotação dos veículos, sem falar no estofamento, todo coberto com peles de animais ou mantas de lã, injustificável para dias tão quentes, uma vez que não tinham ar-condicionado. Junto comigo iam outros turistas e cada um, a seu tempo, foi devidamente encaminhado ao seu destino. Escurecia quando chegamos ao Flamingo, hotel onde pernoitaria. Por isso, naquele momento, não pude apreciar a bela vista que desfrutava de meus aposentos.

 

Muito cedo, na manhã seguinte, de volta ao aeroporto, seguia então para Assuã, no sul do país. Visitamos inicialmente a famosa represa de Assuã, a pequena ilha onde situa-se um  jardim botânico e depois o mausoléu de Aga-Kan. O soberano Nilo era já presença constante no deslumbrante cenário que se descortinava à nossa volta.

 

Ao final da tarde, abordamos o Seti III, uma confortável embarcação, que oferecia boas opções de lazer como piscinas, discoteca, piano-bar, joalharia, elevador interno e um grande salão de jantar ladeado de amplas janelas, adornadas com cortinas, sempre abertas durante o café da manhã. O chá, um acontecimento à parte, era sempre servido às 16h no terraço, sob tendas de algodão branco.

 

No pequeno grupo de passageiros, sobressaía um simpático e divertido casal cipriota, além de duas famílias suíças, holandeses e espanhóis. Nosso guia local trajava a típica ‘jabala’, era extremamente bem humorado e somente ao final da viagem revelou-nos, entre gargalhadas, seu verdadeiro nome não ser exatamente “Mustafá”, como o havíamos chamado durante todo o tempo, seguindo Mrs Stephanus, da Ilha de Chipre, que assim o fizera desde o início.

 

O Seti III navegava lentamente, no sentido sul-norte. Éramos conduzidos a diversos templos, erguidos às margens do rio há milênios, o impressionante palácio da rainha Hatshepsut, cujos magníficos jardins tiveram arbustos transportados da Somália e teriam disposto de um intrincado sistema de irrigação; o cinematográfico hotel Cataract, cenário perfeito de “Morte no Nilo” – um dos maiores sucessos de Agatha Christie transformado em filme e ouvíamos, atentos, as sensacionais narrativas das lendas, estórias e fatos peculiares da vida dos faraós, sabidos de cor pelo nosso “Mustafá”.

 

O calor era quase insuportável, obrigando-nos a sempre portar um frasco com água, além de um inseparável boné – motivo de cobiça (!) de crianças nativas e até mesmo de alguns adultos... Na visita ao ‘Obelisco Inacabado’, recordo-me de um insistente jovem vendedor que cismou em trocar um filhote de crocodilo, à disposição na sua tenda, entre outras ofertas inimagináveis, pelo meu boné! Agradeci incontinenti.

 

Dentre as várias paradas realizadas às margens do Nilo, uma, em especial, superou minhas expectativas: a Tumba de Tutankamon, o ‘Faraó Menino’, morto aos 19 anos, provável vítima de uma conspiração pelo poder. Encontrada lacrada, intacta, recheada de objetos pessoais, de valor inestimável, no Vale dos Reis, por Lord Canarfon, destemido e ambicioso aventureiro inglês que desafiou a maldição dos faraós. Seu nome ganhou fama mundial ao trazer à luz segredos e riquezas até então desconhecidos, no começo do século XX.

 

Canarfon e muitos outros membros de sua expedição tiveram morte súbita, em circunstâncias nada comuns, nos anos que se seguiram. A imprensa internacional, ávida por mexericos, alardeou o fato como resultado da maldição (“Death will come to those who disturb the sleep of the Pharaohs” – A morte virá para aqueles que perturbarem o sono dos faraós), vingança do faraó, o que rendeu grande popularidade à descoberta. Hoje, todos os objetos lá encontrados estão expostos no Museu do Cairo. Mesmo assim, a visita à tumba, ainda que vazia, pela riqueza dos desenhos, minuciosamente pintados no teto e paredes, por todo o simbolismo e crença que representam é realmente impactante!

 

Em Luxor, ao fazermos o traslado do barco até um templo antigo, observava, com a lenta marcha dos cavalos que puxavam nossas charretes, a precariedade das condições de vida daquele povo, outrora tão poderoso. Pessoas assentadas à margem da via de transporte, crianças que mendigavam, rodeadas de moscas, correndo ao lado das charretes, expunham, despudoradamente, toda sua infelicidade.

 

Certa noite, assistimos ao show de dança do ventre, na ‘boite’ do barco. A odalisca contorcia-se com desenvoltura, ao som da música típica, sob caloroso aplauso da platéia.

 

Outra atração noturna impressionante foi a visita ao Templo de Isis. O transporte nas longas e aparentemente frágeis canoas, as tochas acesas, a brisa da noite, o vozerio estranho, enfim, o  conjunto de fatores dava grande magia àquilo tudo. Estávamos viajando no tempo. A imaginação se materializava à nossa frente. O monumental Templo de Isis foi, há alguns anos, totalmente desmontado e removido de seu sítio original, onde surgiu uma represa. Pedra por pedra foi reconstruído, numa pequena ilha, conforme as mais modernas e precisas técnicas da engenharia de então. Lá acontece o espetáculo ‘Light and Sound’ ou ‘Son et Lumière’ (Luz e Som) e o turista ouve, ou em inglês ou em francês, a narrativa da lenda daquela deusa e do faraó, seu protegido. O resto fica por conta da imaginação de cada um, naquele cenário fantástico.

 

Mostraram-nos também o moroso processo de confecção do papiro, a partir do cultivo e  manuseio do talo da planta homônima.

 

De volta à capital, em visita ao Museu do Cairo, pudemos apreciar toda a sorte de peças e utensílios, mobiliário, tronos e camas em palha trançada, esculturas de argila, madeira e granito bruto, caixas para embalsamamento, ferramentas, objetos de arte, decoração e joalharia, com destaque para as sandálias e dedeiras de ouro maciço usadas por Tutankamon nas cerimônias públicas oficiais e, impressionante, sua imponente máscara mortuária em ouro e lápis-lazuli. Nesta sala do museu, especialmente, aos visitantes é imposta incômoda e ostensiva vigilância, para que não se demorem apreciando as peças mais valiosas. Guardas batem palmas e gritam para que nos ponhamos em movimento.

 

Noutro dia, pela manhã, visitamos as três grandes pirâmides, Quéops, Quéfren e Miquerinos e a Esfinge de Gizé. Tais maravilhas dispensam comentários. Contudo, foi marcante meu primeiro passeio à camelo. O tranqüilo animal, todo paramentado, oferece montaria confortável e segura, em marcha sempre lenta, mas surpreende o turista desavisado na hora de montar. O bicho dobra as patas dianteiras primeiro e depois então as traseiras. Muito dócil, senta-se e aguarda pacientemente. A gente se acomoda na sela e nem imagina o galeio que vem na hora que ele se levanta. Sim, pois o procedimento é o mesmo, na ordem inversa. Patas traseiras primeiro... e só aí nos damos conta do súbito movimento que nos joga para frente e em seguida para trás quando é a vez das dianteiras se levantarem.

 

À tarde conheci a Vila Faraônica do Dr Ragab – uma espécie de atração turístico-cultural, onde se revivem cenas do cotidiano dos egípcios das três principais camadas sociais, como a alguns milênios atrás. O Dr Ragab projetou e recriou, com o máximo de fidelidade possível, habitações, oficinas de artesãos, fábrica de papiro, pequenas áreas de plantio e soube dar vida e movimento ao cenário com a presença de personagens que repetem, com toda naturalidade, o gestual nas funções diárias dos habitantes do lugar.

 

Acima de todas estas lembranças e impressões, o Egito deixa a mais agradável sensação de hospitalidade e receptividade. Algo que, sem duvida, gostaria de experimentar de novo.

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