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ISTAMBUL

A agitação de Creta, tão inadequada à imagem que fazia da ilha que aprisionou o Minotauro de Teseu, ficava para trás. Uma nova expectativa enchia-me de curiosidade. Istanbul, glória do imperador Constantino, a milenar megalópole encanta qualquer visitante, amante ou não da história, com a exposição de suas jóias da arquitetura.

 

Muitos aspectos fazem Istanbul ímpar: posição geográfica privilegiada, une com uma ponte dois mundos díspares: Europa e Ásia. Seus monumentos deram-lhe o título de maior museu a céu aberto do planeta e o povo turco, aparentemente ainda arredio à globalização, mostra-se extremamente simpático para com o turista. Fato que, via de regra, deveria ser norma internacional de comportamento do anfitrião para com seu visitante, mas nem sempre assim acontece...

 

Os dias que lá passei superaram todas as minhas expectativas. Tudo era surpresa, pois, embora soubéssemos de antemão os nomes dos lugares que visitaríamos e tivéssemos uma breve descrição do que iríamos conhecer, acredito que nenhum de nós soubesse com exatidão aonde estávamos sendo levados. Poucos nativos comunicavam-se num segundo idioma... e se nos perdêssemos?

 

Logo de início, uma situação embaraçosa tornou-se cômica. Era noite quando chegamos e, ainda no aeroporto, procurei trocar alguns dólares pela moeda vigente, a lira turca.  O montante, algo em torno de US$100,00, transformou-se numa montanha de notas surradas, que mal couberam no meu bolso. Sem muito raciocinar, depois de um longo dia na função de embarque e desembarque, cansado e louco por um banho, pensei que todo aquele dinheiro seria o bastante para minhas despesas pessoais naquela cidade, uma vez que hospedagem e traslados já haviam sido pagos.

 

Na van que nos levava ao hotel, passageiros com destinos diferentes, a prof. Maria Inês Schettini e eu, afoito como sempre, perguntava ao guia, em inglês, sobre a curiosidades do lugar. O sujeito mostrou-se simpático e logo tentou tirar algum proveito da situação, deixando claro que era costume local os guias receberem gorjetas dos turistas. Os demais passageiros, se entenderam, fizeram ouvidos moucos. Meio constrangido, senti-me na obrigação de ofertar algum trocado... mas quanto? Aquela dinherama toda valia o quê?

 

Depois de confabular com a Maria Inês, em português, obviamente, resolvemos dividir cinco liras turcas como gorjeta. Gostaria de ter filmado a expressão de desprezo do cidadão quando lhe estendemos aquela nota velha, pequena e de valor ínfimo. Somente no dia seguinte soubemos que o país vivia um momento de enorme inflação financeira e que várias notas daquela não comprariam sequer um cafezinho.

 

A primeira visita foi a Santa Sofia, majestosa mesquita, conserva intactos sinais do Cristianismo em belos mosaicos de pastilha multicor, que adornam os corredores externos da nave central. O interior sombrio estava parcialmente tomado por inconvenientes andaimes de metal onde restauradores pacientemente trabalhavam na recuperação dos afrescos que o tempo teima em querer apagar.

 

A mesquita Azul, a poucos metros dali, pareceu mais acolhedora ao revelar um interior naturalmente iluminado pela luz do sol filtrada através de vitrais decorados com arabescos. O chão, totalmente coberto por tapetes superpostos em incontáveis camadas, há muito não pode ser visto.

 

Ao visitante pediam, respeitosamente, que descalçássemos os pés e às mulheres, em especial, eram oferecidas toscas saias com cintura de elástico para que cobrissem pernas e mesmo as ‘inadmissíveis’ calças compridas. Fontes de ablução, parada obrigatória de todo fiel, peregrino ou romeiro, lembram do dever de ter os pés e mãos limpos antes de adentrar o sítio sagrado.

 

O Palácio Topikapi exigiria muito mais tempo para que fosse devidamente apreciado. A “Caverna de Aladin” torna-se insignificante se comparada a este museu, tamanho o esplendor dos tesouros acumulados pelos sultões. Um sem número de rubis, esmeraldas e diamantes dão forma às mais extravagantes jóias, ornamentam objetos de toucador, talheres, baixelas, adagas, tronos e até mesmo o tal indescritível ‘berço de ouro’ existe. Louça raríssima, mantos, espadas, medalhas, moedas, mobiliário, carruagens, relíquias sagradas do profeta e muito mais. Uma enorme esmeralda, do tamanho de um coco, foi partida ao meio, escavaram seu miolo e, com pouca criatividade, estava pronto mais um mimo do sultão, um porta-jóias!

 

O Dolma-Bacse, residência oficial do último sultão, deposto pela República e exilado na Suíça, no começo do século passado, é, no mínimo, impressionante. À entrada, guardas em pesados uniformes de feltro verde, ou seria lã?, mantêm o ritual da tradição,  imóveis, por horas, sob o escaldante sol de verão. De quando em quando um outro oficial aproxima-se para enxugar-lhes o suor do rosto e oferece-lhes algo para beber, num copo com canudinho para que permaneçam imóveis, transpirando por todos os poros.

 

Mas o rico Dolma-Bacse quase não tem elementos da arquitetura turca. De estilo barroco, exibe todo o refinamento europeu, dominante à época de sua construção. Os arquitetos projetaram cômodos de harmoniosa simetria. O teto do salão de recepções sustenta um lustre de 4.5 toneladas do mais puro cristal Bacharat – presente da generosa Victoria, rainha dos Ingleses. No chão, um tapete de 124m quadrados, da mais pura seda. Este salão, apenas mais um entre dezenas, é rodeado por básculas em forma de meia-lua, dispostas bem ao alto das paredes. De lá, por longos corredores laterais, as mulheres do sultão tinham o ‘privilégio’ de apreciar as grandes festas e recepções oficiais sem jamais poder participar.

 

O passeio de barco pelo Estreito de Bósforos, margeado por mansões de veraneio com jardins encantadores, tira o fôlego do mais indiferente visitante. Atravessamos o Mar de Mármara, de um verde inigualável, para chegarmos à Ilha dos Príncipes. Ainda no ancoradouro, soube que ali automóveis são proibidos, salvo o carro de polícia. Na praça, centenas de charretes esperavam pelos passageiros. Por todo lado belas casas de grandes magnatas: destino certo de férias tranquilas, para poucos.

 

Numa noite houve um jantar com show típico, dança do ventre, espadachins e outros mais, na milenar Torre Galata.

 

Esta viagem fascinante deixou-nos a vontade de regressar, apreciar a exótica gastronomia, explorar melhor o interior daquele país mágico, a região da Capadócia, o belo litoral e, sobretudo, desfrutar da hospitalidade do povo turco.

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